Contos

Convulsão

Hoje vou lhes contar a estranha história de um garoto que morava numa pequena cidade, localizada no sudoeste de algum lugar sombrio, onde há muito tempo havia se perdido do tempo e do espaço. Umas das poucas coisas de que me lembro, é que a luz do sol havia abandonado aquele local há alguns séculos, assim os dias acabaram tornando noite e as noites  acabaram se tornando  dia.
O nome do menino era Féu ô Fininho, ele era tão magro que sua mãe às vezes tinha que colocar, seu velho óculos de grau para poder enxergá-lo. Ele era tão fino quanto à ponta de uma agulha, uma das coisas que mais odiava em sua vida era seu enorme nariz, que de tão grande chegara a pesar em sua face, empurrando-lhe muitas vezes na direção oposta à que se anda, para o chão.
Sua pele rosada se confundia com os seus ossos, compridos e embranquecidos, dando-lhe uma estranha estatura engraçada e confusa. Olhos grandes e esbugalhados formatavam seu rosto comprido e cheio de sardas, despenteado e com seus finos cabelos castanhos espetados para cima, tinha uma aparência estranha como de uma velha vassoura de palha.
De quando em quando tinha sonhos coloridos, adorava vagar pela terra dos sonhos. Contemplava as cores do arco-íris, sentia o sabor das frutas vermelhas e passava a tarde inteira respirando o ar puro das colinas esverdeadas.
_Que lugar é esse? _Aqui as cores tem vida, o céu e a terra têm bons tons, os pássaros voam e cantam felizes. _A paz reina ao invés da perturbação e essa luz estranha deve ser o sol que ilumina toda imensidão.
_Fininho!!!_ Acorda meu filho, já fazem cinco luas minguantes que você esta ai trancafiado nesse quarto, e coberto com esses lençóis cheios de dor e lamentação, desse jeito querido você vai acabar ficando louco e  caindo em uma depressão.
Povo estranho seu calendário foi criado baseado nas fases da lua, se minha memória não fosse tão falha, explicaria tudo com calma para vocês.
_Sonhos? _Será que são frutos da minha imaginação ou vêem de outra dimensão?_ Tudo bem mãe, eu já voltei mesmo do outro mundo, que doce ilusão...
Nas ultimas noites, Féu estava agindo estranhamente, um grande vazio havia invadido seu peito e seu coração, e quanto mais isso crescia mais prejudicava sua visão. As cores fortes de seu mundo já não alimentavam sua emoção, e aos poucos tudo foi ficando sem graça, sem vida e sem tom, até que em certo momento a cor cinza tinha tomado conta, completamente de sua razão.
Ele enxergava agora um mundo acinzentado, as coisas haviam perdido seu sentido e ficado obscuras, em uma de suas noites mal dormidas teve um sonho diferente, sonhou com um mundo cheio de cores quentes, um lugar onde a euforia e a alegria eram irmãs, o prazer substituía a nostalgia e deste então Féu tem ficado em sua cama tentando voltar para aquele lugar tão cheio de maravilhas.
_Quem me dera poder sonhar acordado, assim não teria que expor os meus olhos a esse mundo sem cor, cheio de pessoas e objetos com tons de uma pintura fraca e sem sabor.
Deitado em sua cama, ouvia com atenção os movimentos súbitos de seu quarto, as paredes eram banhadas com uma tinta lilás rústica, musgos verdes florescentes cresciam com esforço nas superfícies, as paredes e o teto pareciam estar em constantes atritos, se contorcendo de um lado para outro, como um quadro antigo, tentando encontrar a melhor posição para se encaixar.
Loucura, depressão? _O que será que ela quis dizer com aquilo? _Se ela pudesse ver o mundo através das minhas finas retinas, certamente não faria tais acusações, como pode uma mãe usar tais termos e estereótipos com seu o próprio filho?
Após deixar tais questões soltas pelo ar, adormeceu e foi rapidamente transportado para o outro tempo e espaço, um universo de tons estranhos onde todas as coisas tinham a cor preta ou branca. Era um enorme campo, com um céu branco e nublado, constituído de uma terra macia onde o gramado era preto e bem podado.
_Que estranho!!!_Apesar de este lugar ter cores fortes e pesadas, cresceu um gramado escuro como à noite, e o céu estar pálido sinto-me familiarizado e tranqüilo, como se estivesse em casa...
Mas antes que Féu pudesse tirar conclusões sobre aquele lugar, uma voz estrondosa como um raio dilacerante invadiu seu quarto, e rasgou seu sonho em pequenos pedaços que se transformarão  em nada.
O que tanto procura nesta terra de sonhos meu filho? _Eu já não sei o que eu faço com você? _Se não me disser o que está acontecendo eu terei que levá-lo aos Sete sábios raspados, e vamos descobrir o que está acontecendo, mesmo que tenhamos que usar a força.
_Tenho sonhos coloridos mãe. _Vejo cores diferentes um verde claro vivo, um amarelo quente revigorante, um azul de anil colorindo o céu com nuvens brancas brincando de se formar.
_Você esta entendendo meu filho!!! _ Se qualquer cidadão de nossa pequena comunidade ouvisse você falando que sonhou com a luz do dia, com um céu azul, certamente diriam que você é maluco, antes que isso aconteça e vire um grande escândalo vou te deixar internado com os anciões e recomendar que te tratem na melhor unidade medica psiquiátrica da cidade na Boca dos lodos.
_Mas mãe, espera!!!_O que foi que eu fiz? _Você não pode me mandar para aquele lugar maldito, eu soube que os que foram para lá, quando voltaram nunca mais foram os mesmos.
_Minha decisão já foi tomada, assim que o seu pai chegar vamos abrir o portal e transferi-lo para a Boca dos lodos e ponto final.
_Mas, mãe!!!
Dona Palha, era assim que chamavam a mãe de Fininho, saiu do quarto decidida a interná-lo, na unidade médica Boca dos lodos, e deixa-lo nas mãos dos cidadoes mais velhos da cidade os Velhos sábios raspados, que eram especialistas em tratar de loucos e desorientados.
Os hospitais das cidades eram subterrâneos, haviam sido construídos nos esgotos da cidade, eles acreditavam em uma medicina diferenciada onde à sujeira e a podridão eram o melhor tratamento para curar as enfermidades do corpo e da alma.
_Maluco, eu? _Por que não ela?_Me pergunta o que procuro, eu respondo, e depois ela quer me internar com aqueles velhos sugadores de alma.
Naquele exato momento a cor cinza que morava nos olhos de Féu ficou mais forte, ao ponto de deixar até suas palpetras acinzentadas, dando um ar de frieza e tristeza a sua face fina e rosada.
_Está tudo errado, não era para eu enxergar o mundo assim, acinzentado como se as cores tivessem fugido do quadro, mas com certeza, eu devo estar com algum defeito ou quebrado?_Afinal eu sou único que pode ser o culpado.
Nosso querido amigo Fininho havia começado a se interiorizar, buscava dentro de si alguma solução para aquela situação. Mas tudo aquilo era demais para sua cabeça, resolveu distrair-se um pouco antes de ter qualquer certeza, pegou uma espécie de controle remoto ao lado de sua velha fronha, clicou em frente a uma tela fina e preta, que ficava na sua instante de mármore retorcido de cores gritantes.
_Para as noites de lua cheia, compre o filtro luar Pac Cem, e tenha uma camada de proteção cem vezes aumentada.
_Droga, por que tudo e tão fútil?_Essas propagandas sem graça, só me deixam mais para baixo.
_Clik.
 _Garoto explode de tanto comer jujubas negras!!!_Como pode uma mãe deixar seu filho comer tanto doce, a chegar ao ponto de explodir, isso é uma grande travessura...
_Que tédio, eu odeio esse sensacionalismo barato, acho que vou desligar a grande tela mágica, talvez na caixinha de som, esteja tocando alguma música que me ajude a relaxar.
Féu levantou-se de sua cama com suas pernas magras como gravetos esfolados e lentamente foi até a instante, pegou uma pequena caixinha azul marinho com apenas um pequeno alto falante no meio e apertou um botão na sua lateral.
_Plick...
_Se quiser ser feliz é só dizer sim,
  Se quiser ser amado, e só querer sim,
  Se quiser ter amigos, é só falar sim.
_Sim._Que merda  de música é essa?_ Como se a vida se resumisse em uma pequena palavra como o sim, eu disse que sim e ainda estou aqui sozinho e infeliz...
_Flick...
Fininho inconformado desligou sua pequena caixinha de som, e voltou para sua cama aos resmungos. _Já não me lembro qual foi à última vez que alguma coisa me agradou. _Acho que o problema não deve ser o mundo, mas acho que sou eu que não aceito esses tipos de absurdos.
Aqueles olhos esbugalhados e cinzas brilhavam como se fossem um vaga-lume numa noite de verão e sua cabeça começou a ferver como um grande caldeirão.
_Será que eu sou maluco? _Por que eu fiquei assim? _As coisas ao meu redor, será que é tudo tão ruim? _Por que o mundo não me aceita, ou será que sou eu que não aceito o mundo?
De repente milhões de pensamentos e perguntas começaram girar na mente de Féu, como se fosse um grande turbilhão de dúvidas, idéias e questões...
_Sou eu diferente, ou diferente é o mundo?_Talvez meus olhos se escureçam por causa da hipocrisia desse mundo. _As pessoas podem acreditar em velhos quase moribundos, então eu também posso acreditar na existência de um outro mundo.
O córtex cerebral de fininho, de tanto produzir informações, questões e lembranças adormecidas. Ficou parecendo como uma máquina antiga de produção, e por conta de haver alguma engrenagem solta, acelerou sua produção ate perder o controle de sua fabricação.
O que eu sou? _Quem eu sou?_O que é a vida? _O que é a morte? _O que é o azar?_O que é a sorte?_Eu digo..._Sim..._Sim...Mas nada muda. Vou comprar filtro solar, para proteger minha pele da lua.
A psique de Féu, havia se tornado uma máquina de produção quebrada sem controle e acelerada. Agora sensações, lembranças e uma branda excitação fluíam em todo seu corpo gerando uma grande explosão de emoção.
Seu corpo não agüentou o fluxo de energia e vibrações, numa tentativa falha pôs suas mãos sobre a cabeça tentando controlar sua emoção.
_Já chega!!! _Eu não suporto mais isso, ordeno que tudo volte de onde começou.
Nas horas mais inesperadas nossos desejos se tornam realidade, e sutilmente como um grande susto, aquele turbilhão emocional voltou-se para um único ponto, onde tudo havia começado na sua cabeça.
E como um grande vendaval devastou sua pobre mente, desfigurando totalmente sua razão. Uma fumaça negra e malcheirosa começou a deslizar de seus ouvidos, como se estivessem dançando no ar, uma tremedeira incontrolável tomou conta de seu corpo. E sua cabeça começou a virar de um lado para o outro com um movimento rápido e compulsivo.
_Ha!!!_a...a...a...a...a...a...
 E essas foram as ultimas palavras dele. Espera ai, não foram palavras foi um gemido...
_Boom!!!!_Bloft!!!
De tão acelerada que a mente dele ficou, não agüentou os impactos e explodiu manchando todas as aquelas paredes roxas rústicas, com uma cor totalmente híbrida, um vermelho sangue que deu um novo tom e uma nova decoração...
_Filho!!!O porquê de tudo isso? Por que se matou?_Nós te demos de tudo, roupas, brinquedos, jogos, comida, dinheiro e até animais de estimação.
Os pedaços da cabeça de Féu enfeitavam o chão com seu sangue vermelho misturado com as lágrimas de sua mãe, escorrendo bem devagar pelos vãos, talvez sua mãe lhe tivesse dado tudo menos atenção por isso não preenchia o vazio que seu filho sentia e acusando-lhe mais uma vez retirando sua culpa, o chamou de suicida.
Se você anda sentindo um vazio estranho em seu peito, uma forte dor no coração e os seus pensamentos andam acelerados, tome cuidado. Pois você pode ser o próximo a fazer uma nova decoração, com um tom híbrido e avermelhado em seu quarto...

Autor: Levi D.S